Pokémon é uma marca que não precisa de apresentação no mundo atual. Além de ser a franquia mais valiosa do mundo, é a única propriedade intelectual a ser avaliada em mais USD 80 Bilhões. Para uma comparação rápida, o Mickey Mouse é avaliado em USD 52 Bilhões e é o segundo na lista das franquias midiáticas mais valiosas.
Seja através de videogames, televisão, cartas ou revistas, você ou alguém que você conheça já interagiu diretamente com a franquia. Mas o que acontece quando Pokémon já não satisfaz parte da sua audiência? É isso o que Palworld, um novo jogo para computadores e consoles responde, preenchendo um espaço que os fãs da marca da Nintendo estavam esperando há um bom tempo. Cheio de novas funções e similaridades com a franquia gigante em que toma inspiração, Palworld chocou o mundo dos jogos e também o da propriedade intelectual. O caso tomou proporções gigantes pelas discussões que gerou entre fãs e especialistas de tecnologia e propriedade intelectual.
Antes de tudo, precisamos entender o conceito e o público alvo da marca Pokémon. Com um modelo simples, toda a premissa dos produtos gira em torno da captura e coleção de diversos monstros presentes nos jogos e teve poucas mudanças ao longo dos seus mais de 25 anos de idade. Os jogos e séries de televisão sempre foram voltados para o público infantil, evitando temas complexos e controversos em suas narrativas. Vale mencionar que durante este tempo, a Pokémon teve pouca disputa dentro deste gênero específico de entretenimento e nenhuma outra marca que tentou disputar chegou perto do sucesso da franquia japonesa.
Por conta das poucas mudanças nesta fórmula, os fãs que já acompanham a franquia há décadas estavam demandando novas funções, histórias, mecânicas e até mesmo uma nova direção. O que estas pessoas não imaginavam é que a empresa que entregaria estes desejos não seria a Nintendo, mas sim uma nova desenvolvedora, também japonesa, chamada Pocket Pair que lançou seu jogo Palworld em Janeiro de 2024.
As similaridades entre as marcas e os produtos que entregam são visíveis à primeira vista. Ambos giram em torno da coleção e captura de monstros, a diferença está no tom mais adulto que Palworld decide explorar, colocando armas e outras mecânicas evitadas pela Nintendo por conta do seu público alvo.
Abaixo você pode observar um Pokémon à esquerda e um Pal à direita:
Imagem do usuário @metaldragonkid, retirada da rede social X.
E aí, são parecidos? Certamente os designs se assemelham e não é necessário um olhar muito atento para perceber de onde a inspiração da Pocket Pair surgiu. Todavia, seria correto pensarmos que isso se trata de plágio no design dos ativos do jogo? Não é o que parte dos internautas envolvidos na discussão vem mostrando:
Por mais que sejam parecidos, o que deve ser levado em consideração na análise de casos como este é como são desenhados os modelos dos personagens, quais softwares e técnicas são empregadas e como estas são apresentadas no produto final. Além de todo o apelo estético final, existe um método de produção que pode ser muito diferente, trazendo caráter criativo ao processo e tornando o resultado final distinto, ainda que similar.
Agora, o outro lado da discussão é que o jogo Palworld com sua estética similar atrai os fãs de Pokémon e distorce aquilo que a franquia construiu ao longo dos anos para o público infantil, podendo influenciar a posição de mercado da empresa titular da marca, bem como o foco do consumidor, confundindo pessoas que desejam adquirir produtos da marca ou consumir o conteúdo produzido com a marca Pokémon.
Mas o que a legislação normatiza sobre isso? O interessante deste caso é que ele lida com diversos tipos de proteção de propriedade intelectual, desde marcas e direito autoral, até mesmo patentes e desenhos industriais. A Nintendo e a Game Freak (desenvolvedora dos jogos de Pokémon) tiveram pouca ou nenhuma concorrência durante seus anos de atividade com esta franquia, o que os levou a um status de reconhecimento que poucos outros meios de comunicação do segmento de entretenimento podem atingir. Sendo assim, é preocupante que qualquer concorrência que surja atualmente seja determinada como plágio, sem ao menos analisar os métodos utilizados e contrastar a diferença em impacto e público alvo.
Com o plano de fundo detalhado, podemos entender que ao que compete à Lei de Direitos Autorais, o caso em tela deve ser analisado de forma extremamente técnica levando em consideração, além da aparência final dos ativos do jogo, como estes foram criados e quais as ferramentas que a equipe de artistas se utilizou. A imagem acima demonstra como os dois modelos são diferentes, com suas proporções, e sobreposição totalmente distintas, um forte argumento a favor da originalidade da criação.
Em relação à marca, existe o argumento de que colocar elementos mais “maduros” em Palworld, quando o produto final é tão parecido com o produto da marca Pokémon, poderia levar à degenerescência da marca, ou seja, à sua diluição no mercado.
No Brasil, esta análise seria mais genérica, tendo em vista que a lei brasileira não distingue formas de diluição e focaria nas provas apresentadas para enquadrar o ocorrido como perda de distintividade ou risco disso ocorrer no futuro.
Caso o processo corra no Japão (considerando que são duas empresas japonesas), o histórico de casos referenciando diluição de marca é muito pequeno e dentro desta amostragem são percebidos julgamentos confusos, embasados dentro da Lei de Concorrência Desleal que lida com diluição somente de forma incidental, nunca mencionando a possibilidade abertamente.
Ainda, existe a possibilidade de um processo judicial ocorrer nos Estados Unidos, onde a Nintendo é titular de toda propriedade intelectual vinculada à Pokémon. Aqui, a diluição de marca é discriminada na lei em modalidades como blurring e tarnishment. O fundamento que muitos apontam ser cabível é o de tarnishment – literalmente manchar em português – que consiste em uma marca de terceiro similar à da autora da ação, manchar a marca no mercado por vincular a temas ou finalidades indesejadas pela titular do registro. Em outras palavras, como a Palworld pode acabar vinculando a Pokémon ao uso de armas ou outros tipos de violência em seus jogos, o que sempre foi evitado pela franquia.
Entretanto, a Nintendo até este momento não se pronunciou sobre qualquer medida a ser tomada contra a Pocket Pair por eventuais infrações aos seus direitos de propriedade intelectual.
Em resumo, este estudo de caso reflete a crescente relevância das marcas, direitos autorais e patentes no mundo atual, evidenciando a necessidade de um conhecimento extenso sobre a matéria para conduzir uma análise mesmo que aparentemente simples. Isso ilustra a razão pela qual investir na proteção de ativos intangíveis pode representar não apenas grandes economias, mas também investimentos promissores para o futuro.
Gabriel Conci